O AMOR DIALOGADO EM CAMÕES, FELIPE MOISÉS, E EM HERBERTO HELDER
Sabemos que na literatura podemos tentar
representar o real, por meio da mimese, e que essa representação pode variar de
pessoa para pessoa por ser uma leitura de mundo muito subjetiva, cada pessoa
significa o texto literário a partir de sua visão. Nesse artigo temos três
poemas, dois deles dialogam com o poema camoniano, que tratam sobre o tema do
amor em diferentes perspectivas. O primeiro é de Luís Vaz de Camões, o segundo
é de Carlos Felipe Moisés e o terceiro é de Herberto Helder. Camões do final do
século XVI, Moisés e Helder poetas atuais, mas com abordagens diferentes. O
foco deste artigo são as diferentes abordagens sobre o amor e sobre as
transformações do amador nas três obras. Camões configura no seu poema a ideia
de amor platônico, em que o amador transforma-se na cousa amada, já no poema de
Felipe Moisés o amor é rebaixado na escala de paixão, e o amador se transforma a
sombra de si mesmo, em nada; e Herberto Helder retrata no seu poema o amor
completamente carnal, e o amador não transforma-se, mas possui a coisa amada. Neste
poemas podemos perceber as relações de diálogos que os poetas da atualidade, Felipe Moisés em “A Paixão Segundo Camões” e Helder em “Transforma-se o
amador na coisa amada”, estabelecem com o clássico poema de Luiz de Camões
“Transforma-se o amador na coisa amada”.
Poema
de Luís Vaz de Camões
“Transforma-se o amador na cousa amada”
Transforma-se o amador na coisa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está ligada.
Mas esta linda e pura semidéia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim como a alma minha se conforma,
Está no pensamento como idéia;
O vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
(Luís de Camões. Versos
e alguma prosa de. Lisboa: Moraes, 1977).
“A Paixão Segundo Camões” (Carlos
Felipe Moisés)
A Paixão Segundo
Camões
Transforma-se o amador em coisa alguma,
sem dolo, sem virtude, sem razão.
Por muito amar, dispersa o coração
e rói daquilo que é a alma nenhuma.
As esperanças perde, uma a uma,
de decifrar o rosto da paixão.
Sem rumo, ilhado entre o sim e o não,
perde-se no amor de um mar sem espuma.
Transforma-se o amador em coisa errante,
atira ao vento um grito enrouquecido
e busca se encontrar na coisa amada.
A pele rota, o gesto vacilante,
transforma-se, de amar como um perdido,
em sombra de si mesmo, ausência, nada.
Transforma-se o amador em coisa alguma,
sem dolo, sem virtude, sem razão.
Por muito amar, dispersa o coração
e rói daquilo que é a alma nenhuma.
As esperanças perde, uma a uma,
de decifrar o rosto da paixão.
Sem rumo, ilhado entre o sim e o não,
perde-se no amor de um mar sem espuma.
Transforma-se o amador em coisa errante,
atira ao vento um grito enrouquecido
e busca se encontrar na coisa amada.
A pele rota, o gesto vacilante,
transforma-se, de amar como um perdido,
em sombra de si mesmo, ausência, nada.
(MOISÉS, Carlos Felipe. Subsolo. São Paulo:
Massao Ohno, 1989).
Análise
do Poema de Herberto Helder
Transforma-se
o amador na coisa amada com seu
feroz
sorriso, os dentes,
as mãos
que relampejam no escuro. Traz ruído
e
silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das
ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre
esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio
da sua última vida.
O amador
transforma-se de instante para instante,
e
sente-se o espírito imortal do amor
criando
a carne em extremas atmosferas, acima
de todas
as coisas mortas.
Transforma-se
o amador. Corre pelas formas dentro.
E a
coisa amada é uma baía estanque.
É o
espaço de um castiçal,
a coluna
vertebral e o espírito
das
mulheres sentadas.
Transforma-se
em noite extintora.
Porque o
amador é tudo, e a coisa amada
é uma
cortina
onde o
vento do amador bate no alto da janela
aberta.
O amador entra
por
todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador
é um martelo que esmaga.
Que
transforma a coisa amada.
Ele
entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que
escuta
fica com
aquele grito para sempre na cabeça
a arder
como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se
transformando, enquanto dorme, naquele grito
do
amador.
Depois
acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o
grito dele.
E o
amador e a coisa amada são um único grito
anterior
de amor.
E gritam
e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de
amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o
seu espírito de amada.
Então o
mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor.
Enquanto em cima
o
silêncio do amador e da amada alimentam
o
imprevisto silêncio do mundo
e do amor.
(Herberto Helder. A colher na boca. Poesia Toda I, Lisboa: Plátano, 1993)
Adriano Araújo Pereira[1]
e-mail: adrianolotus@hotmail.com
Lusijane Contreira de Freitas[2]
e-mail: jahnny2012@hotmail.com
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