quarta-feira, 15 de julho de 2015

O AMOR DIALOGADO EM CAMÕES, FELIPE MOISÉS, E EM HERBERTO HELDER

  Sabemos que na literatura podemos tentar representar o real, por meio da mimese, e que essa representação pode variar de pessoa para pessoa por ser uma leitura de mundo muito subjetiva, cada pessoa significa o texto literário a partir de sua visão. Nesse artigo temos três poemas, dois deles dialogam com o poema camoniano, que tratam sobre o tema do amor em diferentes perspectivas. O primeiro é de Luís Vaz de Camões, o segundo é de Carlos Felipe Moisés e o terceiro é de Herberto Helder. Camões do final do século XVI, Moisés e Helder poetas atuais, mas com abordagens diferentes. O foco deste artigo são as diferentes abordagens sobre o amor e sobre as transformações do amador nas três obras. Camões configura no seu poema a ideia de amor platônico, em que o amador transforma-se na cousa amada, já no poema de Felipe Moisés o amor é rebaixado na escala de paixão, e o amador se transforma a sombra de si mesmo, em nada; e Herberto Helder retrata no seu poema o amor completamente carnal, e o amador não transforma-se, mas possui a coisa amada. Neste poemas podemos perceber as relações de diálogos que os poetas da atualidade, Felipe Moisés em “A Paixão Segundo Camões” e Helder em “Transforma-se o amador na coisa amada”, estabelecem com o clássico poema de Luiz de Camões “Transforma-se o amador na coisa amada”.  

Poema de Luís Vaz de Camões
“Transforma-se o amador na cousa amada”

Transforma-se o amador na coisa amada, 
Por virtude do muito imaginar; 
Não tenho logo mais que desejar, 
Pois em mim tenho a parte desejada

Se nela está minha alma transformada, 
Que mais deseja o corpo de alcançar? 
Em si somente pode descansar, 
Pois consigo tal alma está ligada.

Mas esta linda e pura semidéia, 
Que, como o acidente em seu sujeito, 
Assim como a alma minha se conforma,

Está no pensamento como idéia; 
O vivo e puro amor de que sou feito, 
Como matéria simples busca a forma.

(Luís de Camões. Versos e alguma prosa de. Lisboa: Moraes, 1977).


“A Paixão Segundo Camões” (Carlos Felipe Moisés)
A Paixão Segundo Camões

Transforma-se o amador em coisa alguma,
sem dolo, sem virtude, sem razão.
Por muito amar, dispersa o coração
e rói daquilo que é a alma nenhuma.

As esperanças perde, uma a uma,
de decifrar o rosto da paixão.
Sem rumo, ilhado entre o sim e o não,
perde-se no amor de um mar sem espuma.

Transforma-se o amador em coisa errante,
atira ao vento um grito enrouquecido
e busca se encontrar na coisa amada.

A pele rota, o gesto vacilante,
transforma-se, de amar como um perdido,
em sombra de si mesmo, ausência, nada.

(MOISÉS, Carlos Felipe. Subsolo. São Paulo: Massao Ohno, 1989).


 Análise do Po­­­­ema de Herberto Helder
Transforma-se o amador na coisa amada com seu
feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio da sua última vida.
O amador transforma-se de instante para instante,
e sente-se o espírito imortal do amor
criando a carne em extremas atmosferas, acima
de todas as coisas mortas.

Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro.
E a coisa amada é uma baía estanque.
É o espaço de um castiçal,
a coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se em noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.

Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
do amador.
Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada são um único grito
anterior de amor.

E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o seu espírito de amada.
Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silêncio do mundo
e do amor.

(Herberto Helder. A colher na boca. Poesia Toda I, Lisboa: Plátano, 1993)

Adriano Araújo Pereira[1]
e-mail: adrianolotus@hotmail.com

Lusijane Contreira de Freitas[2]
e-mail: jahnny2012@hotmail.com



[1] Bolsista do Programa de Educação Tutoria, PET/Letras UFAC. Graduando do curso de Letras Português, 5º  período, da Universidade Federal do Acre
[2] Graduanda do curso de Letras Português 5º  período, da Universidade Federal do Acre.

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