quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A representação simbólica da mulher indígena na literatura de José de Alencar e Raimundo Morais. *

Recortes da Cena Contemporânea desta semana trás uma leitura acerca da representação simbólica da mulher indígena na literatura, desde José de Alencar até Raimundo Morais. Para quem não sabe, Raimundo Morais ficou muito conhecido após defender Mário de Andrade em carta após as discussões em torno da existência de plágio em Macunaíma. Vamos ao texto. Verificando a harmonia da mulher com a natureza, em seus aspectos reprodutivos que são particulares ao feminino, denotamos a partir de discussões de gênero e diversidade a representação da Mulher Indígena na Literatura Brasileira e Amazônica. Para isto, buscamos na literatura canônica de José de Alencar e Raimundo Morais, personagens femininas que abordassem a discussão proposta – a analógica representação da mulher indígena com a natureza e o espaço mítico que vinha a ser conhecido como Amazônia Brasileira.
Estátua de Iracema na lagoa de Messejana - Foto: Divulgação


Estátua de Iracema na lagoa de Messejana – Foto: Divulgação

Ponderando a condição minoritária no qual a mulher indígena se encontra, devido a sua condição étnica e de gênero, verificamos a sua posição ao longo da história da humanidade. Esta que fora marginalizada e silenciada pela vitória e soberania do paternalismo, representado não somente pela figura masculina, mas também pela condição colonizadora dos portugueses. Para isto, nota-se uma realidade opressora que se contrapõe à representação e a personificação da mulher indígena no plano ideal e mítico.
No plano literário e ideológico, ressaltamos a autonomia e poder concedida a índia – o que acaba por corresponder a critica da verdadeira luta com a qual esta mulher realmente convive. Detentora da voz, do poder e da vida, a mulher indígena no plano literário é representada como a mulher bela, intocada e ingênua, mas que por ora, também é o ser maligno e amaldiçoado, sendo aquela que gera a traição e o fim – ou renascimento – dos povos, personificados, geralmente, na figura do mestiço, o anticristo de suas nações.
Assim como Eva, Malinche e Pocahontas – personagens femininas que se encontram no ideológico ocidental – Iracema e Corina, personagens das obras Iracema e Ressuscitados, personificam e representam esta mulher que toma decisões que estão além de sua compreensão étnica e sexual, sendo por isto, adoradas ou demonizadas.
Iracema e Corina são personagens que se comunicam na Literatura Brasileira, independente da época, das necessidades sociais e ideológicas e da periodização literária no qual foram criadas. Enquanto Iracema personifica o Novo Mundo, a Mãe da América, que abraça o colonizador, propõe uma nova nação através do mestiço Moacir e simboliza o etnocídio dos povos indígenas no processo de colonização brasileira, Corina representa a vingança da morte de sua antecessora, os processos de renovação cultural dos povos indígenas e a simbolização dos processos sociais e identitário dos povos indígenas, concebidos como selvagens, caboclos e índio, bem como segue o seguinte trecho da obra Ressuscitados, “Quando Corina viu, num relance aflitivo para o seu terno coração esta cena trágica e dolorosa [a da morte de Cauré], tão dramática e emotiva que esteve para enlouquecer, armou o arco e desfechou a derradeira frecha que possuia, frecha que se foi cavar no peito do marido […] Corina deu um salto de onça e veio sobre o morto [Cauré] espumando raiva e ódio. Pegou no cano do rifle descarregado que lhe estava junto, e transformando a carabina em acha, desfechou, com todas as forças de seus músculos, um profundo golpe no crânio do marido […] Corina estava horrivelmente sinistra. Era agora uma das próprias Fúrias […] tentando metamorfosear em pedra a carne daquele maldito que lhe matara o amante. […] Dando, todavia, com o Cauré estendido no chão, foi outra vez para ele, mudando-se de novo na imagem duma Sóror Pudibunda. Suas mãos piedosas acariciavam a cabeça ensanguentada do amante. Nisto chamou Japiim, tal se lhe houvesse ocorrido alguma ideia. Convidou o irmão a carregar o corpo, e, como se levasse alí o seu grande tesouro, os seus anelos e a própria alma, desapareceu na floresta. Nunca mais ninguém soube dela” (MORAIS, s/d, p. 317-318).
Na obra Ressuscitados, Corina nos propõe ideais que a diva alencariana não dispõe. Em constante analise com divindades e personagens míticas, como as Amazonas, as Ykamiabas, as Fúrias e a Esfinge, Corina propõe a diversidade amazônica e a presença da mulher neste ambiente. Configurada como a índia furtada que viveu nos seringais e no contexto político-religioso de Belém, Corina tinha condições de negação à suas raízes. No entanto, o que discorre na obra é totalmente o oposto, ela retorna a sua tribo e põe em tese discussões sobre o tratamento da mulher indígena e amazônica, o objeto que era domesticado para fins sexuais.
Além disto, verificar que essa mulher é análoga à riqueza do Novo Mundo, é perceber que sua integridade, suas vontades e liberdade foram deturpadas pelo colonizador. E isto vai além dos escritos literários, se estabelecendo nos fatos históricos e sociais, como decorre nos relatos atemporais de Octavio Paz que põe a mulher como La Chingada, e os americanos como órfãos, “[…] Nosotros, em cambio, luchamos con entidades imaginarias, vestigios del pasado o fantasmas engedrados por nosotros mismos. Esos fantasmas son reales, al menos para nosotros. Su realidad es de un orden sutil y atroz, porque es uma realidad fantasmagórica. […] ¿qué es la Chingada? La Chingada es la Madre abierta, violada o burlada por la fuerza. El ‘hijo de la Chingada’ es el engedro de la violación, del rapto o de la burla. Si se compara con la ‘hijo de puta’ […] para el mexicano, em ser fruto de uma violación” (PAZ, 1947, p. 5; 9).
Jeissyane Furtado ¹, Drª Simone de Souza ² – ¹ Acadêmica do quinto período do curso de licenciatura plena em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Acre, bolsista de Iniciação Cientifica/CNPq e voluntária do grupo PET-Letras. ² Docente do curso de licenciatura plena em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Acre, doutora em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, orientadora do programa de Iniciação Cientifica e tutora do grupo PET-Letras.

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