quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O enraizamento da terra na poesia do angolano Ondjaki. *


Através dos livros, romances e poesias, viajamos em diversos mundos, sejam eles conhecidos ou não. A literatura brasileira, de grande apreciação nacional e internacional, vem se tornando influência para as literaturas emergentes, principalmente as africanas lusitanas, como as moçambicanas e angolanas, que tem o português como língua oficial. Além de sua influência, essas literaturas africanas que vem emergindo recentemente, são requisitos para o ensino de literatura no Brasil, segundo o Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96, pois retrata a cultura e a terra daqueles que aqui foram escravizados e marginalizados, e que mesmo assim constituíram uma nação e formaram um povo. Este novo tipo de literatura dialoga com a Epistemologia do Sul, definida pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos (2010). Esta ideologia ressalta e trabalha com a distinção, e ao mesmo tempo, a associação entre o certo e o errado, considerando todas as situações, sejam elas de cunho social, histórica ou econômica e, por que não dizermos, literária. Tal literatura apresenta artistas de um dom literário incomparável, fato comprovado pelo artista Ndalu de Almeida, prosador e poeta angolano que atende pelo pseudônimo de Ondjaki, e que para mim é excepcional do jeito mais excêntrico inimaginável. É um escritor jovem, com apenas 36 anos, mas que possui livros extraordinários, que nos prendem e nos fazem questionar sobre o que há ao nosso redor, justamente pela sua temática central, a natureza e os seus recursos. Atualmente mora no Rio de Janeiro, mas já morou em Lisboa e em Nova Iorque, no qual, respectivamente, estudou e produziu. Apesar de morar tão longe de sua terra natal, Luanda, a capital da Angola, é através de suas produções (prosas, poesias, documentários) que ele mostra o seu amor à suas origens, e permita-me dizer que talvez este seja tal incentivo pela sua dedicação e referência passional a tal lugar. Produz livros infantis e romances, todavia creio que sua simplicidade e beleza se encontram na poesia, que nos preenche e interroga pela necessidade e autenticidade com a qual trata a natureza e seus elementos.

Prendisajem

o tomate avermelha mundos.
o cheiro da terra perdoa constipações.
folha é parede verde
para sol chegar.
flor é uma outra narina de abelha.
alcunha de qualquer jardim
é biolabirinto.
a exagera em
amizades com a merda.
o pirilampo é a lanterna do poeta.
o porco-espinho exagera em
modos de precaução e
a mandioca tuberculiza o chão
o cheiro da terra rejuvenesce
a humanidade.
Arve jánãoélógica
ser folha é
nem sempre estar para sol.
a outra folha
lém de nossa vizinha
pode ser nossa irmã de sombras.
a folha
enquerendo ser lago
acontinenta o galho.
o galho
ensendo fio de cabelo
gentifica a arve.
a arve
de tanto ser ela
lembra um sorriso quieto.
lém de transpirar
bonito é que ela respira.
Ondjaki, Poeta Angolano, do livro “Há prendisajens com o xão (o segredo húmido da lesma & outras descoisas)”.
Na poesia de Ondjaki, apesar de sua poesia natural, tanto ao tema como à composição, o que realmente chama atenção é o seu apelo à oralidade, a desobediência às regras gramaticais e o uso do neologismo, que nada mais é do que inventar novas palavras, até então não discutidas no uso formal da língua. Como fã de seu trabalho, especialmente de sua poesia, recomendamos o seu livro poético que mais nos encantou: Há Prendisajens com o Xão (O Segredo Húmido da Lesma e Outras Descoisas) de 2011, da Editora Pallas do Rio de Janeiro, do qual destacamos dois poemas acima referidos. É um livro pequeno, que contém 32 poemas em 68 páginas, o que torna a leitura mais descontraída e instigante. Logo que você começa a ler o livro, se é perceptível como as poesias são excêntricas e totalmente diferentes das demais, justamente por não seguir um padrão ou uma norma. Através de poemas e versos curtos, histórias inesquecíveis de um povo são contadas, seja ele imaginário ou não, na qual a esperança nunca morre, sendo a defesa primordial para a essência vital que carregam dentro de si. Vale ressaltar que ele, como um cidadão angolano, que ali nasceu, cresceu e viveu, é bem mais que um poeta que fala sobre sua terra natal. Comprometido com a situação política e econômica de sua nação, que se sustenta entre guerras civis, como o mesmo afirma, ele retrata a realidade do povo angolano, e como eles encaram tais problemas, que não são poucos, esbanjando alegrias e histórias para que sejam repassadas.
Jeissyane Furtado ¹, Drª Simone de Souza ² – ¹ Acadêmica do quinto período do curso de licenciatura plena em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Acre, bolsista de Iniciação Cientifica/CNPq e voluntária do grupo PET-Letras. ² Docente do curso de licenciatura plena em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Acre, doutora em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, orientadora do programa de Iniciação Cientifica e tutora do grupo PET-Letras.
* Texto originalmente publicado do jornal do Acre, Página 20, em 2014: http://www.pagina20.net/recortes-da-cena-contemporanea/o-enraizamento-da-terra-na-poesia-do-angolano-ondjaki/

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