quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Poesia e Meio Ambiente: a Amazônia na poética de João Veras. *

Árvore de 500 anos é cortada na Bahia - Foto: Daniel Thame

Recortes da Cena Contemporânea traz uma discussão baseada no tema ‘Poesia e Meio Ambiente’, através de uma breve análise de um poema de João Veras, poeta de nossa região. As discussões foram travadas no interior da disciplina Teoria da Literatura, cujo objetivo era compreender como o autor constrói sua concepção lírica a partir do contexto acreano. O poema “Meio Ambiente” centra-se nas seguintes temáticas: meio ambiente e sua relação com o homem. Para abordar o belo poema em tela, utilizaremos a teoria Ecocrítica, metodologicamente seguiremos aos seguintes passos: análise e interpretação do texto a partir de determinado aporte teórico. Vamos inicialmente definir Ecocrítica. Segundo Greg Garrard, “a Ecocrítica singulariza-se, entre as teorias literárias e culturais contemporâneas, por sua estreita relação com a ecologia.” (Garrard, 2006, p. 16). Vejamos agora o poema de João Veras:

MEIO AMBIENTE

(João Veras)
Lá, a árvore imóvel, intacta e táctil
sem poder
sem manifesto
sem movimento
a olhar o homem
a lhe torar o ventre.
O poema acima foi retirado do livro ‘Cantos e encantos da Floresta I’, a partir da rigorosa (e primorosa) seleção e organização de Laélia Maria Rodrigues da Silva, sendo publicado pela editora da Ufac – Edufac em 2004. O livro contém obras de 19 poetas, e sua apresentação seguiu-se à uma epígrafe retirada dos dois poemas acreanos, de Mário de Andrade – “Como será a escureza/desse mato-virgem do Acre?”. Refletindo a partir da indagação poemática marioandradina observamos que o poema ‘Meio Ambiente’ tece representações específicas em relação ao universo histórico/cultural e social amazônico, em que o homem explora o meio ambiente até seu total desmantelamento.
O poema trata do desmatamento das florestas, e a figura do sujeito lírico parece se caracterizar pela denúncia e a da floresta pela fragilidade diante da insensibilidade da ação do homem, “a lhe torar o ventre”, tirando-lhe a vida. Nesse sentido, aliás, é que entra a Ecocrítica – em sua busca por “rastrear as ideias e as representações ambientalistas onde quer que elas apareçam, enxergar com mais clareza um debate que pode vir ocorrendo, amiúde parcialmente encoberto, em inúmeros espaços culturais” (Garrard, 2006, p. 15). Olhando a literatura pelo viés da Ecocrítica observamos que essas duas esferas literatura e ecologia se juntam para abordar um assunto essencial para a vivência do ser humano no planeta terra – A Gaia. Enquanto ser vivo, a árvore – esse ser feminino que doa vida de várias formas tem seu ventre mutilado pela ação criminosa do homem.
A esta compreensão semântica do poema alia-se sua estrutura, que se apresenta de forma inovadora, formatada por apenas uma estrofe, com versos assimétricos, do ponto de vista da métrica tradicional. Neste poema de João Veras, cada verso contém tamanhos diferentes o que nos revela assimetria, conforme podemos verificar nos seguintes versos: “Lá a arvore imóvel, intacta, táctil/ sem poder. Do ponto de vista sintático, o poema é solto, uma vez que o eu lírico opta por versos livres (sem pontuações) dando liberdade ao seu leitor durante o processo de leitura/recitação.
Quanto ao aspecto sonoro, sabemos que existem meios para se construir a sonoridade para além das repetições tradicionais como refrão e rimas ao final dos versos. Se era verdade que no passado, a sonoridade no poema estava muito ligada às rimas e ao refrão como primeira forma de conservar o lirismo, no contemporâneo ocorreu a perda da rima que, no entanto, recuperou a sonoridade no interior do poema através do uso da assonância e da aliteração – que consistem no uso e abuso de certas vogais abertas ou fechadas, ou na repetição de certas consoantes. Temos ainda a importantíssima presença da metáfora. Segundo Norma Goldestein, a “metáfora simplificada é uma comparação abreviada, ou seja, da qual se retira a expressão como ou similar”. No poema, por analogia, o ventre da árvore é comparado ao ventre de uma mulher, “A olhar o homem/ a lhe torar o ventre”, o ventre é um lugar sagrado, em que tem a procriação de seres, e na obra esse ventre é a representação da sua seiva, ou seja, a sua vida se doando em contribuição à vida planetária. Súbito, sem “manifesto ou qualquer reação” cortam-lhe a vida.
Como vimos, o poema “Meio Ambiente” retoma um tema singular para sobrevivência do planeta terra, nele o eu lírico introduz a árvore como um ser vivente tornando se inerte perante a ação do homem durante sua destruição. De fato, toda natureza nasce e perece através de processos naturais e artificiais, como é o caso do poema em tela em que a morte da arvore ocorre como um assassinato.
ora, a obra que analisamos elabora o dialoga com a sociedade trazendo visibilidade a um assunto pertinente aos dias de hoje. A questão abordada no poema ressalta o meio ambiente, questão ambiental focada pela Ecocrítica que, como já mostramos, articula e relaciona a literatura e o ambiente físico. Retomemos o mote do significado – qual seria a definição de Ecocrítica? Segundo Glotfelty: “Dito em termos simples, a Ecocrítica é o estudo da relação entre literatura e o ambiente físico. Assim como a crítica feminista examina a língua e a literatura de um ponto de vista consciente dos gêneros, e a crítica marxista traz para sua interpretação dos textos uma consciência dos modos de produção e das classes econômicas a Ecocrítica adota uma abordagem dos estudos literários centrada na terra”. (GLOTFELTY,1996,p.xix).
Nesse caso, os ecocríticos buscam vincular suas análises no vértice político, sendo que, na acepção de Richard Kerridge (1998) “(…) a Ecocrítica procura avaliar os textos e as ideias em termos de sua coerência e utilidade como respostas á crise ambiental”, além dessas funções a Ecocrítica procura trazer pesquisas, artigos e ate mesmo analises literárias visando o ativismo ambiental. Vale ressaltar que os ecocríticos tem uma relação limitada referentes as ciências da ecologia, tendo em vista que suas teorias são embasadas por teorias literárias e culturais contemporâneas.
Outro aspecto que a obra trata, como já mostramos acima, é a comparação da árvore como um ser vivente já que o eu lírico buscou introduzir algumas características que somente seres animais ou humanos possuem, como os meios sensórias ao se tratar do olhar da arvore perante o homem “a olhar o homem”, além dos órgãos como o ventre “a lhe torar o ventre” simbolizando a vida. Sendo assim o poema “Meio Ambiente” dar ênfase a um assunto que em pleno século vinte e um não é tratado de forma correta, em que a natureza é destruída de forma banal, obtendo como embasamento teórico a Ecocrítica que trabalha justamente com essa questão ecológica.
Para despertar a atenção do leitor, o eu lírico busca usar alguns meios que podem causar o efeito que anseia. Nessa proposta há o apelo a sensibilidade ao olhar a árvore como um ser vivente que pode ter sensações, tendo em vista essa sensibilidade é representada ao descrever a ação do homem ao assassinar a árvore e sua reação descritas detalhadamente, desde seu estado atual que se encontrava parada, sem movimento até sua reação ao olhar o homem e lhe torar o tronco que no poema seria o ventre. No entanto, o eu lírico trabalhou de forma nobre ao se tratar do meio ambiente como um ser que também como outro vivente precisa ter seus direitos respeitados entre eles o direito a morte natural.
Assim, para tratar de um assunto que não teve a devida visibilidade desde antes da atuação de Chico Mendes, a poesia de João Veras, engajada, usa da sensibilidade das emoções que o ser humano contém. Introduzindo o ventre da árvore para causar o impacto desejado – ventre, elemento que para as mulheres traz a simbologia da vida e no poema tece a mesma ótica ou analogia – uma vez que o tronco da arvore pode ser comparado ao útero da mulher que ao momento que é cortado tem sua vida interrompida, além de relacionar com a critica feminista, causando o efeito desejado no leitor ao se ler esse poema de poucos versos mais que contém uma grande simbologia enorme e significativa.
Bruna Lalinny Magalhães da Silva ¹, Drª Simone de Souza ² – ¹ Acadêmica do quinto período do curso de licenciatura plena em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Acre e do sexto período Psicologia pela UNINORTE, membro do grupo PET-Letras. ² Docente do curso de licenciatura plena em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Acre, doutora em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, orientadora do programa de Iniciação Cientifica e tutora do grupo PET-Letras.
* Texto originalmente publicado pelo jornal do Acre, Página 20, em 2015: http://www.pagina20.net/recortes-da-cena-contemporanea/poesia-e-meio-ambiente-a-amazonia-na-poetica-de-joao-veras/

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